Transcrição do áudio:

 

Oi, eu sou Liniker. Eu tenho 25 anos e eu estudo no Campus de São José dos Campos.

Primeiro, eu escolhi um pé, porque eu acredito que é um item mais humano. Acho que o sapato ele talvez tenha distanciado um pouco e eu queria deixar mais a minha marca registrada… nesse… nessa situação que a gente tá vivendo nesse momento. Eh... depois eu queria falar como que marcou pra mim… uma simples dinâmica pode ter marcado pra mim… e ter mudado a minha vida de uma forma geral.

Antes de tudo, antes de começar… eu voltei a fazer cursinho porque eu queria mudar o rumo da minha vida, porque eu acredito que ela estava tomando um rumo de estresse muito grande. Eu já tinha uma formação, eu já fiz logística, mas eu acredito que é uma área muito… muito estressante. E o meu ex-gerente disse que provavelmente as pessoas que trabalhavam, que eram mais novas, elas iriam morrer de estresse muito cedo porque realmente é uma situação muito… muito estressante. E aí eu falei: não, não quero morrer em função do trabalho e eu quero ter uma qualidade de vida melhor. E eu pensei: vou estudar. E aí eu pensei: como é que eu posso voltar a estudar? Vou fazer cursinho. E então eu procurei e vi que em Santos tinha. Que tanto a Unifesp de Santos quanto a USP de Santos elas ofereciam um cursinho popular pré-vestibular. E aí eu fiz a dinâmica e entrei e fiz o processo todinho. E aí, acho que final de maio... no começo de junho a gente fez um sarau cultural pra gente poder falar qualquer tipo de coisa que a gente quisesse e que sentisse vontade. E aí nesse sarau teve uma dinâmica que marcou muito. Que, eu não sei se é esse nome, mas acredito que seja “Consciência de Privilégios”. E aí os professores colocaram todo mundo no meio da quadra, de uma quadra de futsal normal, e aí eles foram dizendo coisas que pudessem… que possam ter  acontecido nas nossas vidas e que tanto ajudaram ou que poderiam ter sido melhor, no caso. Então eles perguntaram: você teve plano de saúde? Você já fez Inglês? Os seus pais… eles são separados? Você teve acesso à cultura no geral, por exemplo? A sua escola, os seus amigos, eles tinham pais separados? E aí nisso eles foram nivelando… assim… entre aspas… nivelando as pessoas... que eram… as coisas boas normalmente… elas iam dar um passo à frente. Então se você teve os pais, se os seus pais não fossem separados você dava um passo à frente e se eles fossem, você ficava no mesmo lugar. Se você morava numa comunidade, você dava um passo à frente, aliás, você ficava no mesmo lugar e se não, você dava um passo à frente. E assim foi. E aí, no final da dinâmica ficou eu e um outro amigo do cursinho é… assim, bem no final mesmo. Ficou a gente e depois ficaram as outras pessoas um pouco mais pra frente. E assim, o que me marcou, porque assim, os dois que ficaram por último, nós éramos negros, moramos em comunidades e, a vida não foi, digamos assim, tanto quanto fácil. E acho que a partir daquele dia eu mudei muito a minha concepção e eu me entendi como negro é… pobre né… assim… classe média-baixa e que morava em periferia. E aí depois desse dia eu comecei a ver que realmente o… porque eu achei que… até então, eu nunca tinha sofrido preconceito. E eu já tinha sofrido, só que eu não tinha noção do que era o preconceito. Porque eu já fui em restaurante que eu fiquei esperando o garçom me atender e demorou um certo tempo. E aí, depois desse dia eu já comecei a entender que isso não é simplesmente um… ah, porque era eu, mas sim porque eu era negro e talvez ele esperasse que eu fosse embora do restaurante, talvez.

E é isso que aconteceu. E aí, a partir de então… e antes disso… eu não entendia porque que precisava de cota. Porque pra mim cota era uma coisa que… meu… se todo mundo consegue, por exemplo, passar no vestibular. E na verdade, todo mundo sim consegue, mas a pessoa precisa das oportunidades, por exemplo. E as pessoas de comunidade, as pessoas negras de classe média-baixa, elas não têm as mesmas oportunidades que as outras justamente por isso. Porque, elas não têm as mesmas oportunidades. E era isso que eu queria compartilhar com vocês.